
As competições de categoria de base sempre foram polêmicas. Quem nunca ouviu aquela frase:
“Olha o tamanho daquela atleta alí! Muito grande para ter 14 anos, deve ser gato!”
“Presta atenção nesse atleta. Ele tem 15 anos e já tem barba! Deve usar bomba!”
Para os integrantes, amantes e espectadores do esporte muitas situações parecem se repetir ao longo do tempo, muitas delas carregadas de opiniões superficiais e pouco construtivas. O Ciência do Atleta decidiu adentrar um campo minado, cheio de tradições, visões e críticas, buscando aprofundar, refletir e questionar de forma positiva práticas que nos parecem tradicionais.
A falta de conhecimento de pais, técnicos e torcedores sobre os processos de crescimento, desenvolvimento e maturação trazem sérias consequências físicas e psicológicas a curto e longo prazo para nossos jovens atletas.
Diversas vezes observamos atletas destacarem-se em categorias de base, quebrando recordes, ganhando muitas medalhas mas muitas vezes o jovem depois de alguns anos fica estagnado e é “engolido” nas categorias adultas por alguns atletas que nunca se destacaram quando mais novos. Assim os comentários e desculpas surgem, apontam-se culpados: "Culpa do treinador!”, “Foi o psicológico do atleta que era muito fraco!”, “Os adversários dele estão tomando bomba!”.... Mas será que somente esses fatores podem ter causado essa influência?
Professores e treinadores das categorias de base devem lembrar que estão lidando com crianças em constante desenvolvimento físico, mental e emocional e que esse desenvolvimento não acontece de forma homogênea nas pessoas. Entender essas fases e como lidar com elas permite identificar causas e resultados das atividades e treinamentos.

O primeiro termo que precisamos diferenciar é: Idade Cronológica X Idade Biológica. Idade Cronológica nada mais é que a idade temporal da pessoa, há quanto tempo ele vive, por exemplo 12 anos. A idade biológica já é algo mais complicado de mensurar, pois é a idade em relação aos processos de desenvolvimento e maturação da criança ou jovem. Vamos dar um exemplo para deixar esses termos mais simples:
-Se temos dois meninos de 13 anos (idade cronológica), mas um deles tem idade biológica de 11 anos e o outro desenvolveu mais rápido e possui idade biológica de 15 anos. Seria então justo um jovem com desenvolvimento de 11 anos competir com um de 15?
Não entender essa diferença pode levar a uma super valorização de resultados nas categorias de base...
No outro extremo temos atletas com maturação tardia, ou seja, que “demoram mais para amadurecer” e que sem dúvidas sofrem muito com os resultados difíceis nas categorias de base. Alguns estudos publicados pela Associação Internacional de Atletismo mostram que muitos dos campeões olímpicos são maturadores tardios, dessa forma, só começaram a mostrar resultado significativo nas categorias mais avançadas e adultas. Muitos dos maturadores tardios nunca chegam nas categorias adultas pois são excluídos durante o processo, justamente pela falta de “resultado”.
Mas vamos simplificar, vamos supor que temos dois jovens de 14 anos (idade cronológica) e que possuem também 14 anos (idade biológica). Será que ambos têm a mesma facilidade para o esporte? Além da genética, as experiências motoras fazem uma grande diferença para esses atletas.
Mas o que são experiências motoras?

São situações que promovem e aprimoram o movimento e tarefas motoras, por meio da interação do indivíduo com o ambiente. Experiência motora (aprendizagem motora) é responsável pelo amplo desenvolvimento dos diferentes componentes da motricidade, como a consciência corporal, a coordenação e o equilíbrio, que são fundamentais para desenvolver, principalmente na infância, diversas habilidades motoras básicas como andar, correr, saltar e lançar.
O nível de desenvolvimento motor da criança depende do repertório de experiências e oportunidades que a mesma vivenciou. Ela foi criada em apartamento? Brincava? Subia em árvores? Jogou várias modalidades? Essas perguntas são importantíssimas e suas consequências claramente visíveis...
Curiosidade:
Você sabia que durante a fase de rápido crescimento, também chamado de “estirão”, o corpo dos jovens está tão focado em usar a energia para o crescimento que frequentemente esses jovens mostram-se mais cansados que o normal, tendo dificuldade em manter volume e intensidade de treinamento?
Outra situação, imagine que temos dois técnicos:
-Um técnico de base que conhece cada passo do desenvolvimento e maturação, que desenvolve o atleta como ser humano de forma saudável e preparando-o para chegar ao alto rendimento (caso seja a escolha do jovem), mas esse técnico não mostra resultados ainda expressivos nas categorias.
-Outro técnico que não entende nada de ciência e acredita que somente com muito trabalho, intensidade e volume os jovens vão se destacar. Esse técnico tem um grande resultado nas categorias de base, mas seus atletas dificilmente chegam no adulto, parando pelo caminho.
Dentro dessas duas situações, o cenário competitivo atual valoriza qual profissional? Pais e atletas que desconhecem as ciências do esporte vão querer seu filho seguindo o programa de qual treinador?
"Um caso especial"
Nascido em 1991 na cidade de Itú, interior do estado de São Paulo, o velocista Marcelo Chierighini é hoje o principal nome brasileiro nos 100m nado Livre.... Mas o que poucos sabem é que Marcelo é um caso único de evolução nas piscinas.
No ano de 2008 com 17 anos (Júnior 1), Marcelo marcava 1´00 nos 100m Livre. Para quem conhece de natação esse é um tempo muito fraco, que não colocaria o jovem atleta nem entre os melhores nadadores da categoria Petiz (11 e 12 anos). Mas o que aconteceu a partir daí é surpreendente! Em menos de 1 ano e meio Marcelo foi de 1´00 para 49"3, sendo campeão nacional de categoria e já se destacando entre os melhores nadadores absolutos do Brasil. Desse ponto em diante Marcelo abaixou ainda mais sua marca, chegando a 48"11, representando o Brasil sendo finalista Olímpico e medalhista em Campeonatos Mundiais. Será que Marcelo foi um maturador tardio? Ou apenas faltavam as oportunidades certas de treinamento e desenvolvimento para esse atleta?

Existem dezenas de livros, artigos e publicações sobre o assunto, mas nosso objetivo hoje é outro.
Nossa pergunta é:
“Será que o formato atual das competições de base são realmente saudáveis para nossos jovens?”
Essa resposta é complicada e cercada por variáveis que até o maior expert no assunto não conseguiria abranger...
Os editores do Ciência do Atleta acreditam que apesar do formato competitivo não ser o mais realista e saudável, muda-lo de forma radical é algo pouco provável. Acreditamos que conscientizar e educar pais, atletas, treinadores/professores sobre cada um desses processos individuais talvez seja a melhor saída. O conhecimento nos blinda contra julgamentos e conclusões superficiais nos levanto a reflexões que podem sem dúvidas levar a um avanço no esporte.
E é claro, jamais poderemos esquecer que esses jovens atletas são seres humanos com uma vida longa e promissora após o esporte...
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